sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ciência do Direito? JAMAIS!

           A razão pelas palavras que se seguem não são um mero capricho. 
          São antes uma visão do Direito que reclama não ser incluída no núcleo reducionista de uma categoria conceptualizadora da ciência.
         Ciência do direito? JAMAIS!
         Para quem o direito é uma ciência reduziada à cientificiade da lei tais palavras lhes são dirigidas.
         Toda a Ciência requer uma técnica e como assim é algumas almas deambulantes dizem que o Direito é uma ciência.
         O Direito está para lá do horizonte da ciência. O Direito não é uma ciência. O Direito é da arte, da ars inveniendi que conceptualizou a pessoa no Homem e está na criação das regras aplicáveis para uma solução justa consubstanciando, assim, um instrumento de realização justa.
         Trata-se de um Direito que se funda não no imperium dos legisladores (cientistas) e dos aplicadores mas antes numa legitimação socialmente reconhecida que procede de um saber dos jurisprudentes criadores.
         Abel Salazar havia dito que o direito pertence à categoria daquilo a que podemos chamar o grupo das ciências psico-objectivas. Resgatando o Direito desta frase ninguém melhor que o imortal Ihering para pôr em relevo a função altamente nobilante da luta pelo Direito. Refere este sacerdote do Direito, que tanto culto prestou à Justiça, que não é na razão mas sim no sentimento que reside a primordial fonte psicológica do Direito.
         É numa vertente de apologia de defesa individual do Direito, enquanto imperativo categórico, que uma voz interior me segreda e aconselha, proibindo-me de recuar, que devo, como quem dá um grito louco pelo Direito que ainda não se cumpriu, resistir à injustiça, denunciando-a através da voz das vítimas que sofreram injustiças e maldades antropológicas, através do olhar dos inocentes que foram humilhados, através do silêncio daqueles que foram descriminados pela culpa de serem como são, resgatando de forma sublime o Direito Justo, separando o équo do iníquo, dizendo o que é Justo e o que é Injusto.
         O Direito implica uma visão do mundo pela Justiça e é justamente isso que sustenta a sua autonomia, com um saber específico, um estatuto epistemológico próprio, conceitos exclusivos e léxico diferenciado.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vontade de Justiça

           Como gostaria de viver numa sociedade em que as regras fossem aplicadas a TODOS. Sim, o princípio da legalidade é preciso mas aplicado a ti, a mim, a ele, a ela, a eles, a elas, a TODOS.
            Porém, existem pessoas a quais as normas que ditam regras nunca são aplicadas e quando o são é um escândalo. Este escândalo vive de advogados palavrosos, numa relação simbiótica com a comunicação social enquanto patrulhamento ideológico, juízes ao serviço de políticos, políticos ao serviço da economia, economia ao serviço das finanças.
            Bem dizia o Professor Costa Andrade há uns anos que “enquanto houver colonização do processo penal pela política viveremos no pântano”. Por exemplo, a transferência de juízes para serviços de segurança e de informações dependentes do poder executivo, seja qual for o jogo de palavras e as ideias que se apresentem a favor, é indubitavelmente um fatalismo para o Estado de Direito. A função judicial tem que estar ao serviço do Direito e não de tarefas policiais ou de informações.
            Não procuramos, de facto, os autênticos culpados, não discutimos o essencial e evitamos chegar às causas, tantas são as cumplicidades dos envolvidos. Eu percebo, é mais fácil mudar a lei do que a idiossincrasia
            E o Direito? O Direito que, afinal, é definido como um instrumento da Justiça, isto é, para cuidar dos fracos, dos frágeis, daqueles que não têm poder, dinheiro ou fama, onde é que Ele está? Se calhar enterrado no fim do arco-íris com um duende a tomar conta, não vá alguém descobrir isto do Direito.
            A Justiça aparece de uma forma tão desorganizada, tão perigosa, que tudo recua. Então é preciso Ordem. Mas a ordem não interessa ao Direito.
            Normalmente os governos, mais os ditatoriais que os democratas, impõem como condição de acesso à Justiça a existência de Ordem. Ora, na esteira da escola dos Franciscanos, como por exemplo, São Francisco de Assis, a Ordem não pode ser conditio sine qua non da Justiça. A Justiça não é pela ordem mas sim pela Paz, e para haver Paz tem de haver Justiça.
            Por isso digo, a segurança do Direito não vem da ordem, vem sim da Justiça. Logo, a segurança do Direito é a Paz, e só há Paz quando nós temos Vontade de Justiça.
            Portanto, a Justiça não é aquilo que nós quisermos, a Justiça é um conceito igual ao Direito, é um conceito preciso, em que cada um tenha aquilo que é seu de acordo com aquilo que merece e merece de acordo com aquilo que dá. Por isso, ser rico não é termos, é termos para dar e quanto mais dermos mais teremos.
            É assim que o Direito tem que voltar a ser dito, a partir daquilo que ele é e não a partir das leis que não o têm.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O Braço Armado da Justiça

            Na relação social cada um de nós vê no próximo uma pessoa com as mesmas expectativas e dignidade que vê em si próprio e, nesse sentido, urge reconduzir os direitos à ideia de que o Estado deve legitimamente criar condições de vida diferente e dignas por forma a não prejudicar a harmonia social pela degradação das famílias.
            Mas então pergunto: o que é que estará primeiro? A Ordem no sentido de uma segurança formal das nossas vidas? Ou uma Paz?
            Devemos respeitar a Ordem não porque seja fundamental mas porque a Justiça nos traz Paz.     
            Nenhuma sociedade é Justa quando vemos à nossa volta tais desequilíbrios sociais que criam fracturas que conduzem a injustiças e que por sua vez dão origem ao caos. E por isso é que é necessário que na construção do Direito tenhamos sempre presente que o Direito é um instrumento da Justiça, caso contrário não será nada.
            O Direito não é a lei pois nem tudo o que tem hoje o nome de Direito o é. O Direito é muito mais, pois dá-nos a possibilidade de fora da violência de dizermos aos progenitores desta democracia, em cada momento, que só se tiverem razão é que podem impor a lei, não pela força, isto é, não pela razão do Imperium mas pelo Império da Razão.
            As faculdades de Direito não podem, assim, descurar o seu papel, pois têm o dever de desprender o Direito, como se de um habeas corpus se tratasse, da coisa política ínsita nas leis. A lei é o resultado da legitimidade eleitoral, e assim deve ser, mas o Direito é coisa distinta, pois não tem o mesmo mecanismo de legitimidade. O jurista não pode ser eleito porque a legitimidade do Direito não está no voto, está, sim, na sapientia iuris, ou seja, está na capacidade de o Jurista resolver problemas que sejam aceites pela comunidade, rectius em que as partes se revêem, onde a noção de Justiça da comunidade é vivenciada na solução que encontraram.
            E é assim que o Direito é o braço armado da Justiça, não é neutro, não é imparcial, nem tão pouco parcimonioso, é sim agressivo e aguerrido em favor dos direitos, sendo estes um conjunto de Justiças que o Direito faz em toda a sua plenitude, um Direito com D grande.
            O problema é que nos encontramos dominados pela racionalidade do Direito de tal forma que não conseguimos lidar com a irracionalidade do Homem.
            Onde é que pára a Justiça quando um tribunal demora anos a entregar um filho? Direito? Qual direito? Antes um conjunto de técnicas científicas que desnaturam a regra jurídica permitindo que ela se torne um logro e o Direito uma ilusão.
            Nunca é demais dizer que o Direito é algo de diferente da lei. Se conseguirmos recuperar esta ideia, a bem do Direito, ganhamos uma esperança renovada na capacidade do Direito ser um instrumento de realização da Justiça no quotidiano. Mas para isso é preciso libertarmo-nos das guilhetas dos escravos que vivem presos a ideias, conceitos e preconceitos que não estão explicados.
            O Direito tem de ser visionado pelo conteúdo e não pela fonte (“pobre” Assembleia da República, autêntica “tapeçaria de Penélope onde o que é feito de dia é desfeito à noite”) em ordem a verificar se através do conteúdo de uma determinada norma ela é capaz de Justiça, ou seja, a juridicidade da norma jurídica afere-se pela sua possibilidade de Justiça no caso concreto.
            Que assim reine o Direito, braço armado da Justiça, e pereçam todos os velhacos deste mundo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A crise da Justiça

            Diversas pessoas tentam dizer à sociedade portuguesa que os nossos tribunais estão em crise. Não, a crise não é dos tribunais.  
            A primeira crise é no ensino do direito pois, actualmente, não se ensina Direito nas universidades, ensina-se, ao invés, leis, rectius ensina-se aquilo que o poder político a cada momento entende ser a lei. Como já havia dito, e insisto, a lei não é Direito.
            Contrariamente ao que se quer fazer passar na opinião pública, a crise da Justiça tem a sua origem na crise do Direito, crise esta que remonta à reforma pombalina da Universidade. Foi precisamente através da reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra,  operada por Sebastião José de Carvalho e Melo, então marquês de Pombal, que a faculdade de Direito passar-se-ia a chamar faculdade de leis, assinalando assim a morte do Direito, concretamente do ius romanum.
            Entendeu marquês de Pombal que não deviam os professores ensinar outra coisa que não fosse leis, ou seja, só era preciso saber a lei feita pelo rei, nada mais que a lei e o labor dos seus exegetas e aplicadores.  Em primeiro, porque quem fazia as leis era o marquês. Em segundo, quem aplicava as leis eram os juízes. Ora, os juízes são licenciados em Direito e não em leis ou pelo menos deveriam ser.
            Com o sistema implementado por Pombal, substituindo o ensino do Direito pelo ensino da lei, através da reforma pombalina e da tão famigerada lei da boa razão, entrou em crise um dos pilares essenciais da nossa cultura jurídica, abrindo o caminho para a identificação absoluta entre o Direito e a lei e para a aceitação de um Direito só decidido pelos interesses políticos e efectivados por juízes-funcionários ao serviço da lei.
            Onde é que está a cultura pelo e do Direito?
            Deambulam almas de juristas armados em vítimas...Vítimas? Não há vítimas inocentes. Nós somos os principais culpados da culpa que temos que é não reivindicar direito a sairmos das faculdades com titulação do curso de Direito.
            Raramente estudamos uma disciplina que não se reconduza a um código, e quando assim não é,  dizem com desdém que é uma disciplina cultural. 
            Ora, o Direito é cultura.
            Vale a pena citar uma frase da sentença de lorde Castlereagh no Congresso de Viena em 1830 a propósito do Code Napoleon: " É inútil destruir a França, o seu Código Civil encarregar-se-á disso."
            É assim que este apartheid legalista vivenciado nas faculdades de Direito no cumprimento de um ritual pombalino esgotado e pernicioso, dá forma à crise da Justiça e simultaneamente retira toda a substância ao Direito.
            Não podemos permitir que a Cultura do Direito se esgote no Zenit racionalista, como pretendiam os iluministas despóticos.  
            Precisamos de lembrar aos cultores dos códigos, surdos pelo alarido positivista-legalista e cegos por uma ciência formalizada em enunciados textuais aprovados pela classe política,  que não há solução jurídica sem factos, casos, pessoas, bom senso, valores legitimantes e carnalidade histórica.
            É justamente esta métrica de burguesia social, sintomática de uma fractura social e educativa, que leva muitos a dizer que a justiça não funciona por causa dos tribunais. Não!  A Justiça não funciona e nem  funcionará por causa imputável à crise que se vive no ensino do Direito. Mas como disse, e bem, Antero de Quental:
            "Há mais alta missão, mais alta glória/ O combater, à grande luz da história, / Os combates eternos da Justiça."

domingo, 11 de setembro de 2011

A Ficção do Estado de Direito

           
            Se o Estado é de Direito é porque as leis obedecem ao Direito e não porque o Direito obedece às leis, ou seja, não é porque o Direito resulta das leis, é sim porque estas são feitas pela classe política com toda a legitimidade que têm para as fazer.
            Ora, não passa isto de uma ficção do Direito.
            Na prática temos juízes que são meros funcionários do governo confundindo permanentemente independência com parcialidade. É assim que os nossos juízes, ditos de Direito, não são juízes de Direito, ou seja, chamam-se juízes de Direito mas não o são. Para um juiz de Direito a equidade e a justiça do caso concreto são as principais preocupações e não a aplicação de opções circunstanciais, oportunistas e interesseiras, as leis, provenientes do poder político.  
            É por isso que é preciso dizer que o poder judicial não é independente. A sua base de independência devia ser explicada.
            O Estado de Direito não vive assim. Os poderes não estão devidamente separados, vivemos mal e não temos Cultura para viver melhor.
            Precisamos de regressar à ideia de que o Direito tem respostas e que o Direito não é aquilo que tem vindo a ser dito, pelos políticos, como sendo direito. O Direito tem regras que ajudam as sociedades a viverem melhor.
            No que se refere à politicidade do Direito uma coisa é a legitimidade democrática para fazer leis, coisa diversa é a sapiência para fazer as normas de Direito e adaptá-las.                 
             Num Estado de Direito é,  assim,  preciso alguém que diga o Direito a que o estado teima em não obedecer, ao invés de ser o próprio estado a criar o “direito” a que ele obedece. Cumpre a cada um de nós, enquanto herdeiros de um património cultural, acompanhar a evolução do Direito e em função do seu desenvolvimento mudarmos a nossa idiossincrasia.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Estado de Direito? onde?

            Vejo políticos, jornalistas, juristas,  economistas, gestores...a falarem do Estado de Direito sem conta peso e medida. Contudo, devemos interrogar-nos: o que é o Estado de Direito?
            Voltamos assim à vexata quaestio da diferença entre o Direito e a Lei e a possibilidade de nós vivermos num Estado de Direito.
            Não podemos dar o nome do Direito a qualquer normação da sociedade através da lei do Estado.   Precisamos de ter em conta que o Estado é uma criação para cada um de nós poder gozar livremente os seus direitos e correlativamente cumprir os seus deveres.  O Estado estabelece leis que vinculam as pessoas e os tribunais para julgar aqueles que faltam ao seu cumprimento. Nesse sentido, a validade da lei está ligada ao órgão legiferante, e a sua eficácia está no uso legítimo da força pública e de outros mecanismos de coercibilidade do Estado, e não na forma argumentada que acompanha a solução ou na adesão voluntária dos destinatários. E é justamente neste ponto que o Direito não pode cair nas teias da lei pois a sua efectividade não reside tanto no exercício da acção legítima pelo Estado, que tem o seu monopólio mas na aceitabilidade das partes em litígio, pela auctoritas do jurisprudente no bem argumentado da sua resposta e no equilíbrio e na justiça da solução dada ao caso.
            Pergunto: quem é que sabe de Direito? Quem é que diz o Direito? Quem é que limita o legislador pelo Direito? A constituição? A constituição é só mais uma lei, chamem-lhe fundamental, sagrada, o certo e sabido é que a constituição não passa mais do que uma lei.
            Em termos de ficção constitucional, de vez em quando, parece que os deputados são tocados pelo dedo do rei, transformando-se em constituintes, e de cinco em cinco anos desce sobre os mesmos o divino espírito santo constitucional,   fazendo com que os senhores deputados produzam normas constitucionais que não são ordinárias, diria, ao invés, que são extraordinárias mas que pelo seu conteúdo são mais ordinárias do que outras.
            Portanto, é preciso um pouco de crítica, de deslumbre, de desconstrução, de capacidade de olhar para as coisas e dizer que isto pode não estar bem.

O Direito e a lei

            Vivemos num tempo em que o Direito é totalmente identificado com a lei e o jurisconsulto com o legalista, transformando, desse modo, as suas fontes em ruínas. Porém, as fontes do Direito e a lei são coisas distintas.
            O Direito resulta das regras que são adaptadas e interpretadas, rectius o Direito cresce e cria-se pela interpretação das regras e pela aplicação das regras interpretadas aos casos.
            Tratam-se de regras que estão em mutação, constantemente postas à prova. Umas caem, outras ficam, outras nascem, e nascem muitas vezes de excepções repetidas à mesma regra. Mas, o Direito é sobretudo uma actividade de Justiça do caso concreto, feita com base em regras.
            Procurando respostas com o fito de pensar e responder o que é o Direito, pergunto-me : qual é a alma do Direito?
            Jurista que sou recuso uma formatação legalista da qual muitos tendem em implementar nas faculdades de Direito nos dias de hoje, vocacionando os conteúdos para uma legaloatria sem fim.  É assim que nós vamos morrendo na actividade administrativa com a aplicação ipsis verbis das leis já que o legislador faz da lei um comando exacto.
            A alma do Direito reside na interpretação. É na interpretação da lei que está a possibilidade do Direito. O Direito tem de ser interpretado e a interpretação é para adequar a generalidade e abstracção ao caso concreto.
            Por isso, o Direito nada tem que ver com o sistema de "case law" nem com os precedentes. Não se julga por precedentes, julga-se por regras. Não se julga por júris, julga-se por provas. Não se julga em acusatório puro, julga-se por um juiz interventivo na lide para levar à verosimilhança da prova e chegar à solução justa.
            A lei é apenas a forma de explicar a sustentação da decisão, pois a lei em si não é um argumento mas tão só uma norma na qual se baseia a decisão.
            O Fundamento jurídico jamais poderá ser a lei. A juridicidade da norma tem que ser um argumento racional.
            Para mim, estudar Direito significa Bom Senso, Justiça, Regras, História, Filosofia, fazendo surgir o Direito, ou seja, dar forma à substância. Por isso, não restam duvidas que a separação entre o Direito e a lei é feita pelas fontes, pelas regras, pelos conteúdos, pela diferença entre a AUCTORITAS e o IMPERIUM.