segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A crise da Justiça

            Diversas pessoas tentam dizer à sociedade portuguesa que os nossos tribunais estão em crise. Não, a crise não é dos tribunais.  
            A primeira crise é no ensino do direito pois, actualmente, não se ensina Direito nas universidades, ensina-se, ao invés, leis, rectius ensina-se aquilo que o poder político a cada momento entende ser a lei. Como já havia dito, e insisto, a lei não é Direito.
            Contrariamente ao que se quer fazer passar na opinião pública, a crise da Justiça tem a sua origem na crise do Direito, crise esta que remonta à reforma pombalina da Universidade. Foi precisamente através da reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra,  operada por Sebastião José de Carvalho e Melo, então marquês de Pombal, que a faculdade de Direito passar-se-ia a chamar faculdade de leis, assinalando assim a morte do Direito, concretamente do ius romanum.
            Entendeu marquês de Pombal que não deviam os professores ensinar outra coisa que não fosse leis, ou seja, só era preciso saber a lei feita pelo rei, nada mais que a lei e o labor dos seus exegetas e aplicadores.  Em primeiro, porque quem fazia as leis era o marquês. Em segundo, quem aplicava as leis eram os juízes. Ora, os juízes são licenciados em Direito e não em leis ou pelo menos deveriam ser.
            Com o sistema implementado por Pombal, substituindo o ensino do Direito pelo ensino da lei, através da reforma pombalina e da tão famigerada lei da boa razão, entrou em crise um dos pilares essenciais da nossa cultura jurídica, abrindo o caminho para a identificação absoluta entre o Direito e a lei e para a aceitação de um Direito só decidido pelos interesses políticos e efectivados por juízes-funcionários ao serviço da lei.
            Onde é que está a cultura pelo e do Direito?
            Deambulam almas de juristas armados em vítimas...Vítimas? Não há vítimas inocentes. Nós somos os principais culpados da culpa que temos que é não reivindicar direito a sairmos das faculdades com titulação do curso de Direito.
            Raramente estudamos uma disciplina que não se reconduza a um código, e quando assim não é,  dizem com desdém que é uma disciplina cultural. 
            Ora, o Direito é cultura.
            Vale a pena citar uma frase da sentença de lorde Castlereagh no Congresso de Viena em 1830 a propósito do Code Napoleon: " É inútil destruir a França, o seu Código Civil encarregar-se-á disso."
            É assim que este apartheid legalista vivenciado nas faculdades de Direito no cumprimento de um ritual pombalino esgotado e pernicioso, dá forma à crise da Justiça e simultaneamente retira toda a substância ao Direito.
            Não podemos permitir que a Cultura do Direito se esgote no Zenit racionalista, como pretendiam os iluministas despóticos.  
            Precisamos de lembrar aos cultores dos códigos, surdos pelo alarido positivista-legalista e cegos por uma ciência formalizada em enunciados textuais aprovados pela classe política,  que não há solução jurídica sem factos, casos, pessoas, bom senso, valores legitimantes e carnalidade histórica.
            É justamente esta métrica de burguesia social, sintomática de uma fractura social e educativa, que leva muitos a dizer que a justiça não funciona por causa dos tribunais. Não!  A Justiça não funciona e nem  funcionará por causa imputável à crise que se vive no ensino do Direito. Mas como disse, e bem, Antero de Quental:
            "Há mais alta missão, mais alta glória/ O combater, à grande luz da história, / Os combates eternos da Justiça."

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